Por que não unir a experiência de uma empresa especializada na produção de diagnósticos de doenças humanas com a de outra focada no desenvolvimento de tecnologias para a detecção de patologias animais? Foi essa a pergunta que motivou cientistas de São Carlos a criarem a Prothera, empresa de biotecnologia fundada por pesquisadores formados ou com passagem pelo Instituto de Química de São Carlos (IQSC) da USP. Com uma equipe multidisciplinar, composta por químicos, agrônoma, bióloga e farmacêutica-bioquímica, todos doutores ou mestres, a startup criada em 2020 ampliou seu ramo de atuação, passando a atender demandas dos segmentos humano, animal e agrícola.

A Prothera nasceu a partir da fusão de duas startups: a Partecurae, especializada em técnicas diagnósticas sorológicas para animais e para o universo agro, e a Solve, que desenvolvia soluções diagnósticas moleculares para humanos. “Nós já realizávamos alguns trabalhos em conjunto e, como as duas empresas trabalhavam com tecnologias diferentes e para públicos distintos, pensamos que seria interessante nos juntarmos para ter uma amplitude maior de atendimento e abrir nosso leque para o mercado”, conta Regiane Travensolo, agrônoma, uma das sócias da Prothera e ex-pesquisadora do IQSC, onde realizou dois pós-doutorados.

Prothera desenvolve testes rápidos para a detecção de diversas doenças

Com a fusão das empresas, os serviços se tornaram mais completos e abrangentes, pois agora são desenvolvidos testes para diagnósticos moleculares e sorológicos tanto para animais como para pessoas, utilizando diferentes técnicas como Imunocromatografia, ELISA, Aglutinação, PCR convencional e em tempo real, LAMP, Microfluídica e biossensores. Além disso, a Prothera também produz partículas de látex e ouro coloidal, que podem ser misturadas com proteínas e anticorpos para serem utilizadas em ensaios químicos e sorológicos, realiza testes personalizados para o controle de qualidade de empresas, bem como presta serviços específicos para a caracterização de amostras biológicas e desenvolvimento de processos.

Para atender a um nicho maior do mercado, a infraestrutura e a multidisciplinaridade do time Prothera são essenciais e conferem à empresa um diferencial em relação aos concorrentes. “A maioria das empresas de biotecnologia foca em um único mercado. Aqui não, temos uma variedade enorme. Somos procurados com demandas de todos os tipos, desde o desenvolvimento de testes para Covid-19 até novos dispositivos para detecção de doenças do camarão. Recentemente, também recebemos um contato buscando soluções para avaliação da qualidade do leite de vaca”, conta Maria Angélica de Camargo, farmacêutica-bioquímica e sócia da empresa.

O teste de Covid-19 criado na Prothera que foi mencionado pela cientista é o RT-LAMP, capaz de detectar se a pessoa está com o novo coronavírus através da análise de uma simples amostra de saliva. A tecnologia apresenta diversas vantagens em relação ao teste convencional, o RT-PCR, exame que introduz um cotonete nas narinas e na garganta do paciente para colher a secreção respiratória. Além de ser menos invasivo e revelar o resultado em aproximadamente 40 minutos (o PCR leva cerca de três horas), o teste da startup permite determinar uma possível contaminação do paciente de maneira visual, avaliando a cor que a amostra de saliva fica após ser reagida com alguns compostos químicos. Ou seja, se trata de um procedimento bem mais simples, que demanda menor infraestrutura laboratorial e dispensa grandes treinamentos de pessoal, fazendo com que seu preço também seja menor. A estimativa é de que o teste custará cerca de R$ 150,00, enquanto o PCR é vendido por mais de R$ 200,00. A tecnologia deve entrar no mercado em breve, por meio de diferentes modelos de negócio, seja via transferência de tecnologia ou venda direta. A Prothera será capaz de produzir até 160 mil testes por mês.

Juliane observa recipientes onde as amostras de saliva do paciente são depositadas para avaliar uma possível infecção por coronavírus

A diversificada formação dos membros da equipe possibilita olhar as demandas do mercado por diferentes perspectivas, sob a ótica de variadas expertises, facilitando a elaboração de estratégias para atender as necessidades dos clientes. Segundo os fundadores da empresa, a área de Biotecnologia não está consolidada no ramo empresarial e ainda carece de novos produtos que atendam as especificidades do mercado. Para contribuir nesse sentido, a Prothera conta com uma infraestrutura de ponta e com profissionais altamente qualificados para desenvolver produtos e processos de inovação tecnológica por meio de projetos personalizados. De acordo com os empreendedores, uma das maiores dificuldades da indústria brasileira é a manutenção de uma equipe de pesquisa devido aos altos salários que são pagos para os pesquisadores e a necessidade de grandes investimentos na compra e manutenção de equipamentos. Em cima disso, a possibilidade da startup prestar serviços pontuais para a produção de novas tecnologias e realização de análises químicas facilita a vida das indústrias, que acabam economizando.

Alicerce na USP – Se hoje a Prothera é uma realidade e está começando a alçar voos cada vez maiores, o preparo e as influências que parte da equipe vivenciou no IQSC foram fundamentais nesse processo. Em 2011, o professor Emanuel Carrilho, hoje diretor do Instituto, havia acabado de voltar de um pós-doutorado nos EUA com um desafio para os alunos do BioMicS, seu grupo de pesquisa: empreender. “Foi um empurrão pra gente. Embora o professor tenha vivido toda a carreira na academia, ele tinha uma mente muito aberta e mudou nossa visão sobre o porquê de fazer pós-graduação, que se resumia a possibilidade de prestar concursos ou dar aulas após concluirmos os cursos. O incentivo que ele nos deu na época foi determinante para a criação das duas startups (Solve e Partecurae)”, revela Juliana Alberice, sócia da Prothera e química formada pelo IQSC, onde também realizou seu mestrado, doutorado e pós-doutorado.

Pesquisadores realizam análises químicas e caracterizações de amostras biológicas para indústrias

Além da experiência obtida durante seu doutorado e pós-doutorado nos EUA, o professor Emanuel conta que a motivação para instigar os alunos a ingressarem no mercado também se deve a sua atuação em São Carlos, considerada a capital da tecnologia e cidade na qual ele acompanha desde cedo a formação de um ecossistema de inovação. “Por toda a influência que tive na cidade, eu sempre tive essa ideia de que as pesquisas realizadas nas universidades deveriam ser revertidas em capital e empregos. Então quando retornei dos Estados Unidos, entendi que era o momento dos meus alunos utilizarem o conhecimento adquirido para abrirem empresas e gerarem recursos para o país”, conta o docente. Depois de alguns anos acompanhando o desempenho de seus ex-alunos empreendedores, o professor se sente realizado: “Tenho visto a maturidade com que eles estão lidando com a Prothera, não só pelo domínio da tecnologia em si, mas também pela capacidade deles se promoverem como bons profissionais para desenvolver os produtos. Estou muito orgulhoso de ver o crescimento deles” completa.

A vivência obtida ao longo dos anos no grupo de pesquisa do professor Emanuel, cujo objetivo é desenvolver novas tecnologias bioanalíticas que substituam com menor custo, melhor desempenho e maior confiabilidade as metodologias tradicionais, influenciou diretamente os proprietários da Prothera a empreenderem na área de biotecnologia, afirma Juliane Borba, química, mestra e doutora pelo IQSC e sócia da empresa. “O BioMicS é multidisciplinar, mas sempre foi focado na criação de novas plataformas de diagnóstico, o que, sem dúvida, colaborou para que buscássemos nos inserir nesse meio”, diz a pesquisadora, que revela ter sido um desafio a inserção mercado: “Na época, nem se ouvia falar em empreendedorismo, aprendemos muita coisa na marra”, conta.

Cor verde fluorescente indica positivo para Covid-19 em teste desenvolvido pela startup.

A Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP) também teve participação fundamental no crescimento das startups que originaram a Prothera. Tanto a Solve quanto a Partecurae foram contempladas no Programa Pesquisa Inovativa em Pequenas Empresas (PIPE-FAPESP), do qual receberam recursos e capacitações com o intuito de apresentar conceitos de negócios para jovens pesquisadores que abriram a própria empresa. Conquistando cada vez mais o seu espaço, a Prothera pretende se consolidar rapidamente no mercado como uma referência na área, que é considerada nobre e motivante por Beatriz Bianchi, bióloga e sócia da empresa: “Saber que estamos ajudando a salvar vidas, desenvolvendo diagnósticos mais rápidos, parcerias na cidade e impactando de alguma forma é muito gratificante”.

O ex-aluno de doutorado do IQSC, Thiago Segato, que também realizou pós-doutorado no Instituto e é sócio da Prothera, conta o que ele espera da atuação da startup para o futuro: “Espero que a gente nunca deixe de fazer pesquisa, pois trabalhar em busca da inovação e na fronteira do conhecimento é o sonho de qualquer pessoa que vem da área acadêmica. Vamos seguir com esse DNA de inovação, sabendo do grande peso que é a responsabilidade de trabalhar na área da saúde”, finaliza.

Os sócios da Prothera.

 

Texto e Fotos: Henrique Fontes, da Assessoria de Comunicação do IQSC/USP

 

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Estudo do Instituto de Química de São Carlos (IQSC) da Universidade de São Paulo, desenvolveu dispositivos de papel para a detecção de cinomose em cães, independente do estágio de agravamento da doença, por meio da interação entre os anticorpos presentes no sangue do animal e as proteínas depositadas no dispositivo que permitem a identificação através da presença ou ausência de linhas vermelhas bem definidas e detectáveis a olho nu.

A pesquisa foi desenvolvida durante a dissertação de mestrado da aluna Julia Pereira Postigo, bolsista CAPES, sob orientação do Prof. Dr. Emanuel Carrilho do grupo BioMicS – Bioanalítica, Microfabricação e Separações, os quais desenvolveram um dispositivo analítico imunocromatográfico de fluxo lateral construído em papel. O estudo foi feito em parceria com a empresa ParteCurae, especializada no desenvolvimento de testes imunocromatográficos para a detecção de doenças de animais de pequeno e grande porte, assim como testes diagnósticos para infecções virais em plantas.

A cinomose é uma doença viral neurodegenerativa com a segunda maior taxa de mortalidade em cães, perdendo apenas para a raiva e acomete cães jovens independentemente de raça ou sexo. Usualmente diagnosticada com base em análise clinica pelo veterinário, seus sintomas iniciais são geralmente confundidos com os de outras doenças do sistema nervoso, menos letais. Quando os sintomas característicos aparecem, o animal muitas vezes já não pode mais ser curado. Dessa forma, o dispositivo desenvolvido tem grande importância para auxiliar no diagnóstico precoce e cura de animais de pequeno porte.

Para o seu desenvolvimento, o papel foi quimicamente ativado para promover uma modificação na sua estrutura inerte e assim tornar possível a imobilização de antígenos e anticorpos que compõem as linhas teste e controle, respectivamente. Quando o anticorpo produzido pelo animal, para combater o vírus, entrar em contato com a linha teste resultará na formação de um sinal vermelho, indicando que o animal está doente, podendo ser iniciado o tratamento, mesmo sem apresentar seus sintomas característicos.

Além de promover o diagnóstico precoce, o dispositivo tem custo menor que os importados e fornece o resultado em poucos minutos. Sendo assim, ele pode ser utilizado sempre que o animal passar por consulta preventiva, aumentando a sua expectativa de vida. O grupo BioMicS/USP e a empresa ParteCurae, a qual conta com financiamento da FAPESP, continuam trabalhando na plataforma para realizar os ensaios de acurácia e finalmente levar o produto à comercialização.

A defesa pública da dissertação de mestrado acontecerá nesta sexta-feira, 24 de março de 2017, às 14h30, no anfiteatro B do Instituto de Química de São Carlos-USP.

Texto: Sandra Zambon (Comunicação IQSC) e Julia Postigo (IQSC)
Esquema do dispositivo: Julia Postigo
Notícia cadastrada por SANDRA APARECIDA ZAMBON DA SILVA
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Fonte: IQSC – USP